quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Viviane Mosé

Receita pra lavar palavra suja
Mergulhar a palavra suja em água sanitária.

Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.

Algumas palavras quando alvejadas ao sol

adquirem consistência de certeza. Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas,

que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar

e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.

São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.

Dizem que limão e sal tira sujeira difícil, mas nada.

Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.

Perda e morte na medida em que são alvejadas

soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura,

que é capaz de esvaziar o vigor da língua.

O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho

em um amaciante de boa qualidade. Agora, se o que você quer

é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente

sabão em pó e máquina de lavar.

O perigo neste caso é misturar palavras que mancham

no contato umas com as outras. Culpa, por exemplo,

a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.

Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo,

sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode,

o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.

Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras

sob o risco de perderem o sentido.

A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva,

produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras

é saber reconhecer uma palavra limpa.

Conviva com a palavra durante alguns dias.

Deixe que se misture em seus gestos, que passeie

pela expressão dos seus sentidos. À noite, permita que se deite,

não a seu lado mas sobre seu corpo.

Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne,

prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais

perceber a presença dela,

então você tem uma palavra limpa.

Uma palavra limpa é uma palavra possível.

Sapatinhos Vermelhos de Clarissa Pinkola Estés


Era uma vez uma pobre órfã que não tinha sapatos. Essa criança guardava os trapos que pudesse encontrar e, com o tempo, conseguiu costurar um par de sapatos vermelhos. Eles eram grosseiros, mas ela os adorava. Eles faziam com que ela se sentisse rica, apesar de ela passar seus dias procurando alimento nos bosques espinhosos até muito depois de escurecer.

Um dia, porém, quando ela vinha caminhando com dificuldade pela estrada, maltrapilha e com seus sapatos vermelhos, uma carruagem dourada parou ao seu lado. Dentro dela, havia uma senhora de idade que lhe disse que ia levá-la para casa e tratá-la como se fosse sua própria filhinha. E assim lá foram elas para a casa da rica senhora, e o cabelo da menina foi lavado e penteado. Deram-lhe roupas de baixo de um branco puríssimo, um belo vestido de lã, meias brancas e reluzentes sapatos pretos. Quando a menina perguntou pelas roupas velhas, e em especial pelos sapatos vermelhos, a senhora disse que as roupas estavam tão imundas e os sapatos eram tão ridículos que ela os jogara no fogo, onde se reduziram a cinzas.

A menina ficou muito triste, pois, mesmo com toda a fortuna que a cercava, os modestos sapatos vermelhos feitos por suas próprias mãos haviam lhe dado uma felicidade imensa. Agora, ela era obrigada a ficar sentada quieta o tempo todo, a caminhar sem saltitar e a não falar a não ser que falassem com ela, mas uma chama secreta começou a arder no seu coração e ela continuou a suspirar pelos seus velhos sapatos vermelhos mais do que por qualquer outra coisa.

Como a menina tinha idade suficiente para ser crismada no dia do sacramento, a senhora levou-a a um velho sapateiro aleijado para que ele fizesse um par de sapatos especiais para a ocasião. Na vitrina do sapateiro havia um par de lindíssimos sapatos vermelhos do melhor couro. Eles praticamente refulgiam. Pois, apesar de sapatos vermelhos serem escandalosos para se ir à igreja, a menina, que só sabia decidir com seu coração faminto, escolheu os sapatos vermelhos. A vista da velha senhora era tão fraca que ela, sem perceber a cor dos sapatos, pagou por eles. O velho sapateiro piscou para a menina e embrulhou os sapatos.

No dia seguinte, os membros da congregação ficaram alvoroçados com os sapatos da menina. Os sapatos vermelhos brilhavam como maçãs polidas, como corações, como ameixas tingidas de vermelho. Todos olhavam carrancudos. Até os ícones na parede, até as estátuas não tiravam os olhos reprovadores dos sapatos. A menina, no entanto, gostava cada vez mais deles. Por isso, quando o bispo começou a salmodiar, o coro a cantarolar, o órgão a soar, a menina não achou que nada disso fosse mais belo que os seus sapatos vermelhos.

Antes do final do dia, a velha senhora já estava informada dos sapatos vermelhos da sua protegida.

— Nunca, nunca mais use esses sapatos vermelhos! — ameaçou a velha. No domingo seguinte, porém, a menina não conseguiu deixar de preferir os sapatos vermelhos aos pretos, e ela e a velha senhora caminharam até a igreja como de costume.

À porta do templo estava um velho soldado com o braço numa tipóia. Ele usava uma jaqueta curta e tinha a barba ruiva. Ele fez uma mesura e pediu permissão para tirar o pó dos sapatos da menina. Ela estendeu o pé, e ele tamborilou na sola dos sapatos uma musiquinha compassada que lhe deu cócegas nas solas dos pés.

— Lembre-se de ficar para o baile — disse ele, sorrindo e piscando um olho para ela. Mais uma vez, todos lançaram olhares reprovadores para os sapatos vermelhos da menina. Ela, no entanto, adorava tanto esses sapatos que brilhavam como o carmim, como framboesas, como romãs, que não conseguia pensar em mais nada, que mal prestou atenção no culto. Estava tão ocupada virando os pés para lá e para cá para admirar os sapatos que se esqueceu de cantar.

— Que belas sapatilhas! — exclamou o soldado ferido quando ela e a velha senhora saíam da igreja. Essas palavras fizeram a menina dar alguns rodopios ali mesmo. No entanto, depois que seus pés começaram a se movimentar, eles não queriam mais parar; e ela atravessou dançando os canteiros e dobrou a esquina da igreja até dar a impressão de ter perdido totalmente o controle de si mesma. Ela dançou uma gavota, depois uma csárdás e saiu valsando pelos campos do outro lado da estrada.

O cocheiro da velha senhora saltou do seu banco e correu atrás da menina. Ele a segurou e a trouxe de volta para a carruagem, mas os pés da menina, nos sapatos vermelhos, continuavam a dançar no ar como se ainda estivessem no chão. A velha senhora e o cocheiro começaram a puxar e a forçar, na tentativa de arrancar os sapatos vermelhos dos pés da menina. Foi um horror. Só se viam chapéus caídos e pernas que escoiceavam, mas afinal os pés da menina se acalmaram.

De volta à casa, a velha senhora enfiou os sapatos vermelhos no alto de uma prateleira e avisou a menina para nunca mais calçá-los. No entanto, a menina não conseguia deixar de olhar para eles e ansiar por eles. Para ela, eles eram o que havia de mais lindo no planeta.

Não muito tempo depois, o destino quis que a velha senhora caísse de cama e, assim que os médicos saíram, a menina entrou sorrateira no quarto onde eram guardados os sapatos vermelhos. Ela os contemplou lá no alto da prateleira. Seu olhar tornou-se fixo e provocou nela um desejo tão forte que a menina tirou os sapatos da prateleira e os calçou, na crença de que eles não lhe fariam mal algum. Só que, no instante em que eles tocaram seus calcanhares e seus dedos, ela foi dominada pelo impulso de dançar.

E saiu dançando porta afora e escada abaixo, primeiro uma gavota, depois uma csárdás e em seguida giros arrojados de valsa em rápida sucessão. A menina estava num momento de glória e não percebeu que enfrentava dificuldades até que teve vontade de dançar para a esquerda e os sapatos insistiram em dançar para a direita.

Quando ela queria dançar em círculos, os sapatos teimavam em seguir em linha reta. E, como eram os sapatos que comandavam a menina, em vez do contrário, eles a fizeram dançar estrada abaixo, atravessar os campos enlameados e penetrar na floresta soturna e sombria.

Ali, encostado numa árvore, estava o velho soldado de barba ruiva, com o braço na tipóia e usando sua jaqueta curta.

— Puxa — disse ele —, que belas sapatilhas!

Apavorada, a menina tentou tirar os sapatos, mas por mais que puxasse, eles continuavam firmes. Ela saltava primeiro num pé, depois no outro, para tentar tirálos, mas o pé que estava no chão continuava dançando assim mesmo e o outro pé na sua mão também fazia seu papel na dança.

E assim, ela dançava e dançava sem parar. Por sobre os montes mais altos e pelos vales afora, na chuva, na neve e ao sol, ela dançava. Ela dançava na noite mais escura, no amanhecer e continuava dançando também ao escurecer. Só que não era uma dança agradável. Era terrível, e não havia descanso para a menina.

Ela entrou no adro de uma igreja e ali um espírito guardião não quis permitir que ela entrasse.

— Você irá dançar com esses sapatos vermelhos — proclamou o espírito — até que fique como uma alma penada, como um fantasma, até que sua pele pareça suspensa dos ossos, até que não sobre nada de você a não ser entranhas dançando.

Você irá dançar de porta em porta por todas as aldeias e baterá três vezes a cada porta. E, quando as pessoas espiarem quem é, verão que é você e temerão que seu destino se abata sobre elas. Dancem, sapatos vermelhos. Vocês devem dançar. A menina implorou misericórdia mas, antes que pudesse continuar a suplicar, os sapatos vermelhos a levaram embora. Ela dançou por cima das urzes, através dos riachos, por cima de cercas-vivas, sem parar. Ainda dançava quando voltou à sua antiga casa e viu pessoas de luto. A velha senhora que a havia abrigado estava morta.

Mesmo assim, ela passou dançando. Dançava porque não podia deixar de dançar. Totalmente exausta e apavorada, ela entrou dançando numa floresta onde morava o carrasco da cidade. E o machado na parede começou a tremer assim que pressentiu que ela se aproximava.

— Por favor! — implorou ela ao carrasco quando passou pela sua porta. — Por favor, corte fora meus sapatos para me livrar desse destino horrível.

O carrasco cortou fora as tiras dos sapatos vermelhos com o machado, mas os sapatos não se soltaram dos pés da menina. Ela se lamentou, então, dizendo que sua vida não valia mesmo nada e que ele deveria amputar-lhe os pés. Foi o que ele fez.

Com isso, os sapatos vermelhos com os pés neles continuaram dançando floresta afora e morro acima até desaparecerem. A menina era, agora, uma pobre aleijada e teve de descobrir um jeito de sobreviver no mundo trabalhando como criada. E nunca mais ansiou por sapatos vermelhos.

Regressão Jorge Vercilo


Letra da musica Regressão:

"Agora você irá dormir um sono profundo,

Regressará à infância, ao útero materno.

Depois chegara à vidas passadas

Onde pode se deparar com lembranças adormecidas

no seu inconciente.

Quem você foi, o que fez, seus amigos, seus inimigos

e até um grande amor..."



Alheia à ira dos homens, se banhava nua nas margens do Nilo

Ousava despertar os deuses, qual beleza capaz de curvar um rei

Cobiça, por entre as canoas, me atrevi olhar mais perto suas curvas

Amei-a muito além de Gaza e ainda hoje tão longe de casa



O céu, a selva no Princípio dos Tempos,Adão e Eva unidos em pensamento,

Guinevere e Lancelot aos olhos da corte,

à noite um rei Cristão à morte.

Na Santa Igreja, irmã, pequei ao te ver.

Em Woodstock caí de overdose.

Ainda hoje, minha amada, terei você

Mesmo que seja hipnose.



Saara, o deserto chora e com a chuva brotam flores de algodão.

Oh, Síria, minha tez é clara, tênue, frágil pra cruzar o teu clarão.

Sereia, escutar teu canto e não ter você pra sempre em minhas mãos...

Seria jogado aos leões se preciso fosse por seu coração.



O céu, a selva no Princípio dos Tempos,

Adão e Eva unidos em pensamento,

Güinevere e Lancelot aos olhos da corte,

à noite um rei Cristão à morte.

Na Santa Igreja, irmã, pequei ao te ver.

Em Woodstock caí de overdose.

Ainda hoje, minha amada, terei você

Mesmo que seja hipnose.



Canto pra subir, canto pra dor, canto pra vida, canto pra te encontrar

Feira marroquina, peçamaia, Hindochina, porcelanas, aias, Lama,

Deusa Egípcia...

Luz, vejo uma escrava dando à luz e homens no canavial.

Vivo pra morrer, vivo pra ser, vivo pra esperar, vivo pra você voltar.

Bruxos na fogueira, chão de mármore, clareira, tantas árvores em mim

oh, amazônica...

Sim, vejo a Suástica em mim e eu te escondia nos porões.



O céu, a selva no Princípio dos Tempos,

Adão e Eva unidos em pensamento,

Guinevere e Lancelot aos olhos da corte,

à noite um rei Cristão à morte.

Na Santa Igreja, irmã, pequei ao te ver.

Em Woodstock caí de overdose.

Ainda hoje, minha amada, terei você

Mesmo que seja hipnose.

Cérebro Vadio,
Ilusão dos ventos
Seios gelados
Ensina a tocha a ser reluzente.
Fogo impetuoso.
Meus olhos viveram a ilusão do saber até ver seu rosto.
Voarei com leves asas das fadas, sobre seus doces e calmos lábios que sorri das cicatrizes que nunca sofreu no corpo.
Sob efeito do segundo copo, ousaria penetrar sua boca. Fazendo do mel um gosto repugnante.
Que língua acariciava seu nome? Estaria embriagada pelo paladar sugado por sua alma

Medo


Medo

Medo de crepúsculo, longe de casa.
Medo da chuva, tempestade
Sapo, comida estragada, de doença rara, de amor mal resolvido, relacionamento grude.
De falsos amigos, de fofoca.
De mau humor, do meu mau humor.
Tenho medo de errar a mão na comida, de pesadelo que prende; sabe aqueles que você sabe que esta sonhando e não consegue acordar? Então tenho medo.
Tenho muito medo do caos, de multidão, tumulto me dá pânico.
Medo do medo, tipo a música.
È tanto medo... Da morte súbita, da solidão, de faltar compreensão aos meus pensamentos.
Medo de ficar rabugenta, (já estou) mas escondo até de mim.
Medo do escuro, da escuridão da alma.
Medo de lodo, de vento, de arrepio sem motivo.
Medo do ciúme que sinto e que não se explica.
Medo de cortar e sentir a navalha na pele.
Medo de cabelo branco.
De ser pega mentindo, e ter que mentir pra não ser pega.
Tenho mais medo ainda do ódio, que dizem sentir de mim.
Medo de cachorro grande, da revolta das pessoas.
Medo da minha mãe brava.
Medo da palavra lançada no calor de uma briga.
Medo de o passado ser tocado de forma maldosa.
Medo de machucar pessoas.
Tenho tantos e outros medos o medo faz agir ,pensar,por vezes fugir.
Enfrentar o medo, não te livra dele, apenas fortalece. Faz-te menos covarde a revelar o que te dá medo.


Patricia Bezerra Viturino

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Mais leve.

O amor que conteve ,a alma que sufoca , deserta o direito e respeito .
O valioso passa ser esquecido
Julgamento que nada, nunca vai ser igual .
Até que percebi que falar ou não , não mudaria oque sinto .
Sua demostração de irritação são cênicas
Seu olhos , olhos de sonho se conteve pra manter oque foi desmentido e destinado .
Diante disso, não me resta nada ….por isso nego qualquer lágrima, nego um suspiro de vontade simplesmente nego .
Porque ainda não entendeu
sentimento idiota ,que me dá medo e constrangimento ,repudio este querer .
Não quero ser louca ,de tentar encaixar fatos e peças soltas porque pode formar uma imagem que confunde .
Tentar é perigoso e irritante e pode sufocar qualquer pessoa.
Nem queria ter tanta força assim .
Só gostaria que o meu fosse mais leve .




Patricia Viturino